A CAIXA tem entre seus compromissos a responsabilidade social, o fomento à cultura e incentivo às diversas manifestações artísticas, promovendo a democratização do acesso à arte, com inclusão social e cidadania. Por meio de iniciativas como a Seleção CAIXA Cultural, fortalece a identidade dos brasileiros, ampliando as oportunidades culturais para o público, produtores e artistas.
A arte é um direito de todos e um elemento fundamental para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e criativa, e a CAIXA acredita que a cultura é um poderoso instrumento de transformação social capaz de conectar pessoas, preservar tradições e inspirar novas gerações.
A exposição individual Labirinto, do artista gaúcho André Severo, reafirma este compromisso ao valorizar a arte contemporânea brasileira, atrelando imagem, tempo e memória, por meio de recursos como vídeo, som e fotografia.
Desse modo, a CAIXA incentiva a pluralidade de manifestações artísticas, comportamentais e de pensamento, e oferece condições concretas para que a população brasileira tenha contato direto com o que há de melhor e mais inspirador na produção artística nacional e internacional.
Viva as culturas brasileiras. Viva a CAIXA Cultural.
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
A veces, sin
causa aparente vemos de verdad lo que nos rodea. Y esa visión es, en su manera,
una suerte de teofanía o aparición, pues el mundo se nos revela em sus
repliegues y abismos…(…) Estamos encantados, suspensos em medio a
la tarde inmóvil. Adivinamos que somos de otro mundo. Es la “vida anterior” que
regresa.
Uma obra costurada por
apropriações e reelaborações. Um pensamento que é pura novidade – porque já nos esquecemos de pensá-lo –, um Labirinto. A mostra é uma grande instalação (labiríntica), gestada por muito tempo. Alimenta-se de uma coleção de imagens que, em seu sentido mais abrangente, incorpora sons, textos, ideias e ambientes, todos coletados por André Severo; esta é a sua matéria-prima primordial. Há uma indiferenciação entre a fotografia capturada e a coletada em diferentes meios. Há a intervenção nas fotos em camadas sobrepostas. E há sempre outra imagem.
Labirinto é a parte final da trilogia El Mensajero, constituída ainda por Metáfora e Espelho, e concebida em tempos de isolamento. É um espaço imersivo e uma declaração cujo centro do redemoinho está nos anos (vividos como se um século fossem) da pandemia, de tantas incertezas, tempo no qual encaramos coletivamente a nossa finitude.
Esta é uma obra-libelo, mas não uma obra-discurso. Mergulha nas imagens “daquilo que já não é”, nas
ruínas das edificações de outros tempos que se tornam vestígios poéticos (aparições assombrosas) de uma beleza impactante e solitária. Mas elas pulsam, elas soam, elas nos abduzem para dentro de suas linhas de fuga.
O itinerário dentro do espaço-labirinto tem marcações temporais que propõem uma cronologia subvertida. Porém, ainda uma cronologia que se deixa tomar pelo tempo lógico, fazendo com que os achados se encadeiem de forma a constituirmos nossa versão da vivência preponderantemente visual e sonora – ocorrida na penumbra –, deixando-nos em certo estado de vigília, entre sonho e tempo presente. Algo que talvez compareça efetivamente depois que saímos da sala de exposições.
Nessa perspectiva, nos são propostos os elementos do calendário: os dias – fotos coloridas, numeradas de I a CCCLDVI, dispostas de forma a circundar toda a galeria; as semanas – imagens fotográficas com sete camadas cada – operando a convenção de sete dias, de domingo a sábado; os 12 meses – representados por textos da personagem críptica que é El Mensajero – cujas mensagens, sempre em espanhol, ocupam o lugar da abertura das representações imagéticas capturadas ou apropriadas uma a cada dia (só vestígios de um tempo perdido a ser decifrado no futuro); e, por fim, algo mais fluido em termos temporais, mas que, por outro lado, constitui-se como uma estrada principal em linha reta entre o começo e o fim do recorte temporal – e da
concepção expográfica da mostra. Portanto, um marco muito mais geográfico ou cartográfico: uma série de quase-filmes, em grandes projeções simultâneas. Uma boa metáfora para pensarmos o tempo simbólico – sobreposições e distensões.
Acreditamos, com a força da evidência, que é o passado que volta a habitar e a assombrar o presente. Seria preciso considerar que a proposição inversa também é verdadeira, se não maior, e que talvez sejamos nós quem assombramos, sem nunca lhes dar descanso, aqueles que nos precederam. Nós somos os verdadeiros fantasmas de nossos fantasmas.
Mohamed Mbougar Sarr
André Severo é um multiartista, pensador, escritor, curador e gestor cultural. Parceiro de muitos projetos. Como este, iniciado há alguns anos.
André tem um método de trabalho, criado dentro do ateliê, que transborda para todas as áreas em que atua. Possui uma acuidade ao desvendar o mundo que me parece bem rara, fazendo com que sua produção artística se constitua de muitas apropriações, incorporadas à sua sentença visual. Porém, há que se observar que a operação semântica e sintagmática é pura surpresa; pessoal, mas inscrita em um forte compromisso com o coletivo. Utilizo aqui conceitos que vêm da linguística e da literatura, para falar da visualidade. Isto porque a construção apoiada em narrativas entrecruzadas é a estrutura de suas obras/projetos. Tudo configurado por um olhar que pousa sobre o mundo e o edita, deslocando-o do cotidiano. Tudo é incomum, entretanto, próximo.
André faz inventários. Dos mais diferentes temas. Sempre tangenciando a história da arte, a filosofia, o mundo ao redor, imediato e já pretérito. Como o anjo de Benjamin d’après Klee, ele se oferece à vaga da história, entre passado e futuro, tudo aqui e agora… tudo anacrônico.
André se propõe ações que exigem muito do seu corpo: construções complexas, longuíssimas caminhadas, transporte de coisas diversas, uso de enxada, imobilidade. Proposições mínimo-máximas que podem parecer crípticas, mas que despertam questões e reflexões (às vezes até livros), no mais genuíno tributo a Allan Kaprow, Joseph Beuys, Helio Oiticica, Gordon Matta-Clark, Lygia Clark, Guy Debord… Tantos artistas que retiraram o objeto do centro da produção artística e colocaram o que os antecede, a ideia e a ação efêmera como ato definidor da obra.
Com um pensamento lógico e pragmático, André paradoxalmente convive com ‘seus fantasmas’. A questão do atravessamento temporal, inerente à sua obra, que recupera o passado por seus vestígios e o faz transitar pelos tantos presentes, produz uma convivência dentro do espaço de trabalho. Parcerias inimagináveis. Courbet, Muybridge, Le Gray, Mallarmé, Rimbaud, Paz… entre outros. Alguns, companheiros de muito tempo, com quem divide a autoria.
O labirinto talvez seja o lugar onde tudo acontece.
Refiro-me a Nona Tese de Filosofia da História, de Walter Benjamin, presidida pelo Angelus Novus, de Paul Klee, que pertencia ao pensador.