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Toda Noite
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©2022 - 4ART Produções Culturais
O Farol Santander apresenta ao público a obra inovadora do fotógrafo, ensaísta e curador Vicente de Mello, artista paulista, radicado no Rio de Janeiro e cidadão do mundo. Em Toda Noite, que encerra a programação de 2022 do Farol, o fotógrafo exibe ao público 14 séries complexas e que se valem de diversos materiais, desde filmes, equipamentos fotográficos, sucatas, pedras e vegetais.
O interesse do artista está voltado, sobretudo, para a luz, o tempo e a ideia de fragmentação. Toda Noite é um panorama da obra deste artista de 55 anos de idade, que tem trabalhos premiados e expostos desde os anos 90. As obras estão no mezanino do Farol Santander e ocupam cerca de um mil metros quadrados.
A série que abre Toda Noite, Limite Oblíquo, mostra uma subversão do ato de fotografar que marca toda a exposição. Partindo de uma coleção de objetos deixados na areia pelo mar, Mello dispõe esses elementos sobre uma superfície iluminada e os captura em alto contraste. O resultado é uma abstração poética, outro traço do artista, que também se vale da palavra.
Em Noite Americana, Mello apresenta uma sequência de fotos de interiores e paisagens urbanas feitas em condições precárias de iluminação. Predominam contra-luzes, imagens escuras e com pouca definição. Nos ambientes vazios há vestígios de que alguém esteve ali, como lençóis amarrotados, uma televisão ligada ou um fio de luz entrando pela porta. O conjunto remete ao clima de mistério do cinema noir dos anos 1950.
Na série Galáctica, o artista expõe luminárias, lustres e neons como se fossem corpos celestes. Ao trabalhar a luz como tema, Mello adota o ideário modernista de que a arte deve se voltar para seus próprios meios. Isolando os objetos de seus contextos originais, ele cria imagens abstratas que colocam em contradição a ideia de fotografia como documento ou como meio de reprodução fiel de cenário.
Sobre o resultado de seu trabalho, Vicente de Mello conta que mantém, há mais de 20 anos, uma coleção de pedras de várias regiões do mundo. “Na série In Orbit, agrupei-as em composições que criam pequenas aglomerações rochosas e, com isso, remetem a imagem de grupos de asteroides por meio de lapidus, que são fotogramas - fotografia sem câmera e sem negativo”. Ao colocar as pedras sobre o papel fotográfico, o formato delas é capturado pela obstrução da passagem da luz na superfície. Para Mello, “agrada-me a ideia de pensar que tanto a luz como a pedra exercem uma ação tátil sobre o papel fotográfico e ambas deixam suas marcas”.
noc·tí·va·go | 1 – Que ou aquele que anda ou vagueia de noite; 2 – Que ou o que tem hábitos noturnos; 3 – Relativo a ou indivíduo que aprecia a vida noturna.
Aldones Nino
Vicente de Mello é um fotógrafo que vem ao longo dos últimos anos trabalhando com procedimentos tradicionais da fotografia, a partir dos quais vai compondo seu universo poético onde as imagens tomam formas alicerçadas nos contrastes entre luz e sombra. Ele o faz como um poeta noctívago que remodela a ideia de noite, período este gerador de muitos dos mitos e lendas com os quais a humanidade já explicou seus temores. E a exposição Toda Noite, ao mesmo tempo em que se constitui em consonância com o período de escuridão ambiental, que vai desde o crepúsculo até ao amanhecer de cada dia, enfrenta-a em sua máxima potência, ultrapassando a dualidade e revelando assim nuances naturais que poderiam ser dadas por uma combinação de luzes do luar, planetárias, estelares e bioluminescentes. Fazendo da noite sua metáfora de revelação do anteriormente oculto.
Vicente nos apresenta indagações relacionadas com as intermediações entre microcosmo e macrocosmo. As fotografias aqui reunidas oscilam entre história e ficcionalização, retomando a agência do olhar para tecer redes de comunicação entre si e o mundo que o cerca. Suas fotografias são criadas em espaços domésticos ou ambientes abertos, abrindo mão do controle das condições que seriam propiciadas por um estúdio fotográfico; desse modo, é atravessado por tudo aquilo que o circunda, desde os universos orgânicos e inorgânicos até à radiação eletromagnética.
A noite é distinta enquanto sua duração no inverno ou no verão, nos pólos ou nos trópicos, variando entre contrastes e paisagens que organizam todas as séries aqui presentes, oferecendo um vislumbre de uma trajetória marcada pela reflexão acerca das possibilidades de configuração da linguagem fotográfica, apropriando-se de fotogramas, technicolor e filmes de 135 mm. Como Pedro Malasartes, que ganhou a vida “transformando” pedras em alimentos, Vicente dá forma à sua produção tensionando-se entre uma prática científica, onde o escaneamento de minérios promete a continuidade a essas formas, alçando-as para o campo da produção artística. Suas séries podem surgir de uma cortina de um apartamento em Pequim, ou da clausura junto a refugos marítimos, ou da desmesura de animais domésticos ou da analogia entre a fotografia e a hipermetropia.
Toda Noite apresenta uma panorâmica que em última instância dialoga com exercícios de edição que nos retiram da passividade diante do entorno que nos cerca, revelando assim o poder da imaginação e da criatividade para mudar perspectivas, sendo capaz de gerar das sombras um universo de composição em constante expansão.
Marília Panitz
Fotógrafo de olhar acurado, e com um modo de recortar a realidade que a torna poesia, Vicente de Mello é um colecionador – de imagens, de objetos, de histórias. Seu trabalho oscila entre o convite a uma abordagem figural de suas fotos e o estabelecimento de uma narrativa para a sequência de capturas fotográficas. Se, por um lado, as fotos permanecem autônomas em sua individualidade, por outro, são organizadas para serem lidas como conjunto (tal qual uma figuração composta, multifacetada).
Duas séries percorrem todo o espaço expositivo em Toda Noite: Noite Americana e Galáctica. Ambas criam a subversão das imagens capturadas. Na primeira, o próprio nome já nos aponta a operação: essa transformação (mágica e tecnológica, operada pela câmera) do dia em noite, da qual o cinema lança mão. Na segunda, a releitura de objetos ordinários de iluminação – postes, luminárias, diferentes fontes artificiais de luz – transforma-os em corpos celestes, vivenciados por nós, olhadores.
A série que abre a mostra, Limite Oblíquo, oferece-nos um alargamento daquilo que conhecemos como fotografia, embora ela seja a técnica estrutural das obras. Inicia-se de uma coleção de pequenos restos que o mar deixa na areia, em seu movimento constante – plantas, algas, conchas, madeiras – e os dispõe sobre uma superfície iluminada, fotografando-as em alto contraste. O resultado é algo que se aproxima do desenho, da pintura, da abstração. Suas matrizes, porém (a coleção de refugos), estão ali expostas para criar o elo de sentido, quase uma tradução, mas que não eliminam a possibilidade de outras leituras.
E assim, os conjuntos revelam suas sequências, renovando o convite para ‘desler’ o ato fotográfico: o exercício com objetos retirados do ateliê do artista, tratados na sala escura, sem câmera e sem negativo, de Monolux; as cortinas-horizonte de Moiré; as montagens do ‘cinema atmosférico’ de O Cinematógrafo, onde está presente uma questão central para Vicente – a relação entre a imagem em movimento e o frame como congelamento de instante (e não é disso que fotografar trata?). Também não é esta a provocação presente em In Orbit e STROBO? Aquela que destaca o movimento adquirido pela sequência de capturas fotográficas? Nos Vermelhos Telúricos e em SLIDETRIP que emulam os slideshows, o horizonte enquadrado é desestabilizado pela alternância de imagens que, todavia, permanecem identificáveis nas suas distorções. Já nas séries de enquadramentos fechados, como Bestiário e Brasília Utopia Lírica, é a operação metonímica de enquadrar a parte o que sugere um olhar de estranhamento à figuração conhecida.
Provocados pela armadilha das imagens expostas, somos levados à experiência na qual o dia é noite (todas elas), a ficção é emulada pela mais comum das realidades e o movimento é gestado na captura do instante congelado.
Vicente de Mello é fotógrafo e ensaísta. Formado em Comunicação Social pela Universidade Estácio de Sá, possui especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil, pela PUC. Trabalhou no Departamento de Fotografia do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1989 -1998). Desde 1990, que refletem sobre a tradição histórica de reflexão sobre o meio fotográfico, criando um léxico visual estilístico de inversão de significados, gerando dúvida sobre a presença das coisas, por uma transvisão dos códigos da linguagem fotográfica. Destacando-se as séries: Topografia Imaginária (1994-1997), Vermelhos Telúricos (2001-2016), Galáctica(2000-2016), Lapidus (2013-2018), Silent City (2013), Brasília utopia lirica (2014), entre outras.
Ganhou o Prêmio de Melhor Exposição de Fotografia do Ano em São Paulo, da Associação Paulista de Críticos de Arte, com a mostra moiré.galáctica.bestiário / Vicente de Mello– Photographies 1995-2006 (Pinacoteca do Estado, 2007) e foi o primeiro brasileiro a ser convidado para uma residência artística no Espace Photographie Contretype (Bruxelas, Bélgica, 2013).
Entre os projetos atuais esta Pli selon pli (SESC 24 de maio, São Paulo, 2017), a individual Monolux com curadoria de Eucanãa Ferraz (Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, 2018), e Limite Obliquo no Paço Imperial em 2021, com curadoria de Aldones Nino.
Conversa com moderadores
Oficina - Carlos Lin
Oficina e Visita Guiada
Vicente de Mello
Bate papo com
Marília Panitz e Aldones Nino
Curador, Aldones Nino
Curadora, Marília Panitz
Artísta e Fotógrafo, Vicente de Mello
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